"Apenas sentimentos, refletidos através de uma conversa, filme, livros, séries, tudo aquilo que nos faz enxergar a vida de uma forma diferente e irrefletida em nossas emoções".

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Castelos de Areia

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A pequena espada que afia com pedra e paciência dá voz a sua prece, dá paz a sua mente, enche-lhe de gratidão pela vida.  Afinal, se a morte até dos deuses se enamora, viver é uma graça bem-vinda.  Pois que seja louvada com incenso, que seja louvada com mirra, que prove do sal das dunas e das lágrimas dos hereges.  Pena de falcão e estrela de ouro, olho de deus e língua de aço, não é só uma espada curta em suas mãos, mas um instrumento de adoração, benzido em raiz de mandrágora e fumaça adocicada com cravo-de-defunto.  É a vontade divina entre seus dedos.
A vontade dos deuses.
Mas tem de ofertar o sacrifício a apenas um.  Enquanto caminha pelos corredores em ruína, considera-os todos, bem como a situação.  Não só os deuses, mas os rostos que viu enegrecer a murchar nas ruas de Beenu, os fiéis que padeceram enquanto ajoelhavam-se perante seu falecido padroeiro, e já não lhe deixam dúvidas.  Ao Anjo do Deserto então, à divindade alada que sempre vagou pelas tempestades de areia em Io-Koenpur.  Uma libação póstuma, no entanto, pois no Leste longínquo jaz o sacro sepulcro.  A Aliança não ousaria cometer tais selvagerias se os deuses não sangrassem, mas eles sangram.  Depois de quatrocentos anos em um mundo onde não há luz senão por eles, é fácil esquecer que também podem morrer.

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Livro: Relatos de um mundo sem Luz  - Evangeline
Autor: Jan Santos

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